/ Notícias / Convite à reflexão - Dia do Índio
Convite à reflexão - Dia do Índio
17.04.2018 | 12:00 | #capelania-e-identidade-crista
Convite à reflexão - Dia do Índio

O dia nacional do índio, 19 de abril, pode ser considerado como um convite à reflexão sobre os valores culturais dos povos indígena e sobre a defesa e preservação dos territórios habitados pelos primeiros moradores dessas terras.

A data de 19 de abril como dia do índio foi proposta em 1940 pelas lideranças indígenas do continente, que participaram do Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México. Eles haviam boicotado os dias iniciais do evento, temendo que suas reivindicações não fossem ouvidas pelos "homens brancos". Durante este congresso foi criado o Instituto Indigenista Interamericano, também sediado no México, que tem como função zelar pelos direitos dos indígenas na América. O Brasil não aderiu imediatamente ao instituto, mas, com a intervenção do Marechal Rondon, acabamos aderindo, e instituiu-se o Dia do Índio (em 19 de abril), com apoio do Congresso Nacional (em 1940). O dia do índio foi criado pelo presidente Getúlio Vargas, através do decreto-lei 5540 de 1943.

Na verdade, os povos indígenas do Brasil têm pouco a festejar neste seu dia. De forma geral, os índios são mais objetos que sujeitos de celebração. Muitas comemorações, de caráter folclórico, tem pouco a ver a triste realidade vivida por muitos povos e etnias indígenas, Brasil afora. 

Propomos à sua reflexão dois textos. O primeiro comenta o relatório anual do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, ligado à CNBB, sobre a demarcação das terras indígenas, condição básica para garantir um mínimo de dignidade aos sobreviventes de uma história de massacres. O relatório do CIMI, com dados de 2016, mostra que chegamos no Brasil a uma quase completa paralisação das demarcações de terras, a uma rotina de invasões  e de depredação de áreas indígenas por comerciantes de terra, por empresas mineradoras e por garimpeiros. 

O ataque aos territórios indígenas conta com o apoio da bancada ruralista no Congresso Nacional e com a aversão de um governo aliado aos interesses do grande capital.

No segundo texto, apresentamos uma das poucas vozes que hoje sai em defesa dos povos indígenas, que  é o Papa Francisco. Em uma audiência, em novembro do ano passado, ele se declarou a favor dos direitos dos povos indígenas no mundo, especialmente do direito a sua terra e a sua cultura, em geral respeitosa do meio ambiente. Publicamente disse que os povos indígenas têm o direito ao “consentimento prévio e informado” sobre todas as questões que lhes dizem respeito. 

Boa Leitura!

A (não) Demarcação das terras indígenas

O ritmo de demarcação das terras indígenas segue lento no Brasil, escreve Rute Pina para o Jornal Brasil de Fato, SP, de outubro de 2017. “No total, 64,5% dos territórios ainda aguardam o processo. São 836 de um total de 1.296 áreas que têm algum tipo de pendência para terem os processos finalizados. Os dados são do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que lançou dia 5 de outubro passado, em Brasília (DF), o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016”.

“Das terras que esperam pela demarcação, 530 - o equivalente a 63,3% - não tiveram nenhuma providência administrativa tomada pelos órgãos do Estado brasileiro. O Estado do Amazonas lidera o número de territórios nesta situação, com 199. Em seguida, aparecem os estados de Mato Grosso do Sul (74), Rio Grande do Sul (37), Pará (29) e Rondônia (24). Apenas 401 terras indígenas, o que representa 30,9% do total, já foram registradas pela União. Roberto Liebgott, coordenador da Regional Sul do Cimi, destaca o ano de 2016 como a transição do governo petista, "omisso e negligente" com relação aos direitos dos povos, para o governo Temer, "ostensivamente anti-indígena".  

Às vésperas de afastamento da presidenta Dilma Rousseff (PT), em maio de 2016, os movimentos populares realizaram manifestações para reivindicar a regularização de terras indígenas e quilombolas e desapropriação de terras para fins de reforma agrária. A pressão, aponta o relatório, resultou na identificação de nove terras indígenas; na declaração, pelo Ministério da Justiça, de 10 territórios; e na homologação de três terras indígenas. Ainda assim, Rousseff deixou o governo apresentando a menor média anual (5,25) de homologações de terras indígenas realizadas pelos presidentes da República desde o fim da ditadura militar. 

Com a chegada do governo ... de Michel Temer (PMDB),  houve a quase total paralisação dos procedimentos demarcatórios de terras indígenas e de titulação de terras quilombolas. Até o final de 2016, apenas três terras indígenas foram identificadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).  "[O governo Temer] se alicerça a partir dos interesses, especialmente, da bancada ruralista e dos setores da mineração. Neste período, a gente percebe então uma ofensiva muito forte contra os territórios indígenas, especialmente no aspecto da invasão das áreas e da depredação das áreas", disse Liebgott.

Com o peemedebista no poder, os setores anti-indígenas também se articularam dentro do governo e passaram a agir para impedir a atuação de órgãos responsáveis pela execução de ações e serviços junto às comunidades indígenas.  Para Liebgott, a articulação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai, por exemplo, expressa o endurecimento do discurso de ódio contra as populações indígenas: "A gente percebeu nesse período de transição muito fortemente essa articulação do discurso para criminalizar e para desconstruir os direitos que até agora estavam sendo consolidados." O orçamento da Funai aprovado para o ano 2017, por exemplo, foi o menor dos últimos dez anos. A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016 piora ainda mais a situação: o orçamento da Funai vai ficar estagnado num patamar extremamente baixo pelos próximos 20 anos. 

No evento de lançamento do relatório, a indígena Irani Barbosa dos Santos Macuxi, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, área localizada no estado de Roraima, defendeu a demarcação de “cada centímetro” dos territórios indígenas.  Ela se posicionou contra e considerou como “má-fé” a interpretação de marco temporal, outro tema que aparece como preocupação no relatório do Cimi. A tese jurídica, que surgiu na disputa em torno da demarcação da Raposa Serra do Sol, visa impor a necessidade da presença dos povos e das comunidades na posse da terra ou disputando a área anteriormente a 5 de outubro de 1988. A matéria ainda aguarda debate no Supremo Tribunal Federal (STF). (NOTA: No dia 09/02/2018, por um placar de 8x3,  STF derrotou a tese do marco temporal e deu ganho de causa a indígenas e quilombolas).

“A quem interessa o marco temporal? O marco temporal só interessa aos grandes latifúndios, madeireiros, garimpeiros. Para nós, é uma destruição, não é vida. Ele está sendo trazido com derramamento de sangue do nosso povo”, criticou. 
O documento anual do Cimi mostra ainda que a situação de violações e violências contra os povos indígenas foi agravada no ano passado. Foram registradas 12 ocorrências de conflitos relativos a direitos territoriais nos Estados do Mato Grosso do Sul (7), Amazonas (1), Mato Grosso (1), Pernambuco (1), Santa Catarina (1) e Rio Grande do Sul (1).  No Mato Grosso do Sul, estado com o maior número de ocorrências, foram registrados ataques às comunidades indígenas das terras Kurusu Ambá, Dourados Amambaipeguá e Guaiviry, dos povos Guarani-Kaiowá. Lideranças de Kurusu Ambá denunciaram pelo menos dois ataques.

O relatório completo do Cimi está disponível no site da entidade (Edição: Simone Freire).

O Papa diz que povos indígenas devem ter a palavra final sobre suas terras

No século XV, as bulas papais promoveram e forneceram uma justificativa legal para a conquista e o saque das terras e recursos dos povos indígenas – cujas consequências são sentidas ainda hoje. O “direito à conquista” em uma bula, “Romanus Pontifex”, emitida por volta de 1450 quando Nicolau V era o papa, foi dada em caráter perpétuo. A reportagem é de David Hill, publicada por The Guardian, 21-02-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa. 

Mas os tempos mudaram. Em fevereiro de 2017, mais de 560 anos depois, Francisco, o primeiro papa latino-americano, deu um tom bem diferente: pôs-se a favor dos povos indígenas ao redor do mundo, a favor do direito à terra (algo que possui um significado prático), e pôs-se a favor de uma melhor relação com o meio ambiente. Publicamente disse que os povos indígenas têm o direito ao “consentimento prévio e informado”. Em outras palavras, nada deveria acontecer nas – ou impactar suas – terras, territórios ou recursos a menos que concordem. “O principal desafio é conciliar o direito ao desenvolvimento, incluindo também o social e cultural, com a tutela das características próprias dos povos e territórios indígenas”, disse Francisco, falando a representantes indígenas em Roma na conclusão do 3º Fórum dos Povos Indígenas, realizado pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola – FIDA, órgão da ONU. A Declaração da ONU... foi adotada há 10 anos...

“[Esta conciliação] fica ainda mais evidente quando atividades econômicas interferem com as culturas indígenas e sua relação ancestral com a terra”, continuou o papa. “Nesse sentido, sempre deve prevalecer o direito ao consenso prévio e informado, segundo exige o artigo 32 da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. Somente assim é possível garantir uma cooperação pacífica entre as autoridades governamentais e os povos indígenas, que supere contradições e conflito”. Francisco também declarou que a “humanidade peca gravemente, deixando de cuidar da terra”, e instou os líderes indígenas a resistirem às novas tecnologias e que “não permitais aquelas que destroem a terra, que destroem a ecologia, o equilíbrio ecológico e que acabam por destruir a sabedoria dos povos”. 

Convidou os governos a capacitar os povos originários a participarem plenamente no desenvolvimento de “diretrizes e projetos”, tanto no nível local quanto nacional...

Para Alvaro Pop, represente maya da Guatemala, as palavras de Francisco demonstram o compromisso contínuo dele para com os direitos dos povos originários. “Os povos indígenas têm sido os guardiões destes recursos há séculos”, diz Pop, um dos presidentes do Fórum Permanente da ONU. “O consentimento livre, prévio e informado é uma das questões mais importantes do século XXI. As palavras do papa são verdadeiramente significativas”....

Ao abordar o direito ao consentimento dos povos indígenas, Francisco dava sustentação à definição de um direito e uma jurisprudência internacional que vincula os governos, diretrizes, princípios e procedimentos operacionais adotados por algumas instituições financeiras, agências da ONU e grupos do setor privado... 

O papa Francisco é hoje uma das raras vozes da defender os direitos das populações vulneráveis do nosso planeta, entre os quais se destacam os povos originários.

Compartilhe:

Leia Mais
EU FAÇO
A UCPEL.
E VOCÊ?